vinteesete

14 novembro, 2008

a quem souber, que sirva

Esse esquisito prazer de entender qualquer coisa de difícil
De se sentir raro ao se deparar com a solução de qualquer enigma
De sentir o choque da descoberta
De, de repente, ver que, agora, sabe isso também
E se pergunta: quem mais sabe disso?
Olha para todo mundo ao redor:
Será que aquele homem de olhar arrogante sabe disso?
E esse padre com cara de mulher mal amada?
Alguém sabe disso?
Esse esquisito prazer de se sentir raro!
Recompondo seu jeito, levantando sua cabeça, te elevando
Como eles podem viver sem saber disso?
E seus pés vão subindo
Bandos de nuvens te abraçando
Aves plainando em coro
Esse esquisito prazer de entender qualquer coisa de raro
E levar isso nos olhos
Impondo qualquer coisa de segredo
De majestosa sabedoria
Mesmo que o quê, agora, se saiba, seja uma besteira inútil
Uma história gostosa de mulher fantástica
O nome de uma planta misteriosa
O gosto desta planta
A utilidade do prazer não interessa
Só o gosto
Só seu mundo cheio de lugares que são delírios e não são vida nem morte
Nem sonhos, nem idéias, nem ilusões
Só esse mundo interessa
Esse saber
Esse sabor
Esse esquisito prazer

11 novembro, 2008

O estranho lado do comum passando

No sossego dos dias úteis
Na calma das pernas frias
No corpo doce
Na cama
Assustado com o tempo que a vida acumula nas nossas costas
Com as grossas horas de rancor inútil
Com o amor domesticado dos animais mansos
Bobo
Levando as mãos ao corpo ao lado
Riscando os dedos na pele branca
Pedindo sexo
Sonhando com a leveza do corpo farto
Com o gesto feito
E sonhando com sonhos maiores
Honrados
Querendo aflito o impossível das coisas
Querendo quieto
Assistindo o balé dos falsos com alegria gostosa e gritando em coro:
Vai cair
Vai dançar
Vai sumir
Vai mudar
Sabendo deixar passar o possível
O comum
Deixando de lado o pouco
Querendo apressado nos lentos movimentos das horas
Encantado com a espera
E todos os suspiros da tensão
E os crispados olhos crentes
O alívio da saudade
A certeza de voltar ao melhor lugar a cada volta
E de se perder a cada curva
Saber estar perdido quando o novo se fizer maior
Quando tudo for estranho
Permitir a invasão do estranho
Ficar tonto em meio ao estranho
Até querer o estranho
E me deixar estranho
Sem saber o que fazer
E fazer muito
Gastar
Gastar o estranho até que ele venha ao comum
Então
Deixa-lo passar também

02 novembro, 2008

o desespero da linha reta

Para me ater ao pouco
Nos poucos traços do mínimo
Para me atentar apenas ao menor e parar
Para que eu não me exceda
E diga o quanto eu realmente me importo
Para que eu finja
E minta sobre lugares que nunca fui
Sobre prazeres que nunca senti
Para que eu demore mais tempo sonhando
E só acorde depois que o corpo estiver farto
Para que eu sorva cada palavra e seus sentidos
E possa guardá-las direitinho
Para que todas as horas tenham seu registro íntimo
E no futuro dos outros eu esteja presente
Para que eu burle essas regras simples da moral
E fale sobre o prazer de cada vício
Uma lista de coisas a se fazer com o próprio corpo
E o endereço da luciana ventania
Para contar o quanto tenho sorte
Para dizer o quanto o mundo é mágico e besta
E fazer desse monte de delírios um lugar secreto para se visitar nas horas de tédio
E deixá-lo à disposição
Para que depois eu não diga que a vida é assim
Que quando finalmente se sabe sobre tudo
Já é tarde
Para que eu saia por aí fazendo coisas sem saber exatamente o que faço
Para que eu erre com as devidas desculpas
Para que eu falhe
E esteja errado quando digo a mim mesmo que eu não posso
Para que eu possa e faça
E me deite nas águas mornas dos rios do interior
Nos lençóis esterilizados dos hotéis do mundo
E nunca me pergunte pelo depois
E seja leve
Para que, um dia desses, eu acorde ainda meio tonto e me lembre de quase nada e deixe confortavelmente o tempo seguir seu fluxo e me afogar lentamente sem muito o que dizer e fazer e constatar que se é o mesmo depois de passar por todas essas coisas desconfortáveis que nos fazem mais secos e frios e velhos
E não lamentar
Para não parecer fraco e burro
E nem querer
Para não ter que brigar por algo que depois me decepcionará
Só me atentar ao delírio
À vontade
À alucinação
Ao desejo satisfeito na hora em que ele surge
Para olhar para frente
E não ver nada e não querer ver nada
Para ir assim sem parar

18 outubro, 2008

não soneto para ela ler para mim, dezoito de outubro de dois mil e oito

Você tropeçando absorto em meus defeitos
Como se eu fosse uma estrada confusa num dia besta de sol
Correndo abobado completamente infantil
Na inútil pressa que reza sofrido querendo chegar

Eu realmente nada posso fazer, finjo e faço assim
Que sou uma pedra precisando de carinho
De alguém que me livre do meu excesso
Sem levar nada disso que só eu sei que eu posso ser

Você me quebrando e eu feliz em me refazer
Um tanto de mim caindo pelo chão sujo
E todo o resto respirando o alívio

Você me apalpando no seu jeito escuro de sentir
Como se eu fosse o relevo amigo dos cegos
E eu refeita nuvem, chovendo para dentro ia

21 setembro, 2008

e descanse em paz, vinte e um de setembro de dois mil e oito

Quando tudo repousa no macio, a desgraça se alegra. Assim como em qualquer descanso ou cuidado de não se deixar ao sabor dos acontecimentos. Toda calma é um câncer morno. É um lago de sangue doce que draga o sabor da vida e leva o homem ao canto mais bem guardado de seu vazio. Quando a vida fica fácil e se comporta sempre como nos dias mortos de domingo e ri moderadamente ou chora sem tristeza, nada nela há de importar nem agredir, nem nada que valha ser notado ou bem quisto, nada. Uma vida tranquila é uma vida doente, sem saúde, sem força, não vale nada. Uma alma que reza todos os dias pedindo paz é uma alma fraca, medrosa, pequena. No que é que a paz irá ajudar no crescimento de um homem? Que homem é esse que sonha com céus azuis e pombas brancas (estas sim, em guerra certa contra a queda e os ventos fortes) e dias cheios de pessoas se abraçando e rindo e não fazendo nada a favor da força da vida? Que homem é esse que não quer o risco e as tormentas que precedem as conquistas? Que se diz cristão mas nega suas gotas de sangue vivo? Se quer paz, morra! Morra antes que a vida te humilhe a não ouvir tais preces tacanhas, a não poupar o corpo das tantas pancadas, a não permitir que se deite neste campo de batalha que só quer homens fortes e de vontade. Não, o suicídio de um homem fraco não é pecado, é um favor a todos os outros. Deus entenderá e guardará tal alma na lama da paz. A deixará eternamente envolta de todo esse nada que é a paz, a manterá sempre quieta e guardada longe de tudo que quer lutar, enfim, para esta pobre alma não há de ser o inferno.

04 setembro, 2008

pasto, quatro de setembro de dois mil e oito

Fantasmas ruflavam suas sombras ao longo do caminho em que eu andava perdido depois de uma noite gasta. Os galhos tortuosos das árvores desfolhadas camuflavam suas silhuetas com o balanço das ondas do vento. Um bando de animais se agitava com toda aquela presença na boca da manhã. Eu respirava o frio do dia novo que chegava nos primeiros sinais de vermelhidão no longe dos campos. Na minha cabeça uma revoada de alucinações vivas que a noite insistia que eu carregasse me azucrinava como um bando de insetos. E para espantá-los eu compunha respostas absurdas para todas essas questões sem respostas que carrega a gente vida abaixo. Mas as respostas multiplicavam as perguntas e a revoada só crescia ao meu redor e sem pensar outra vez parei. Procurei um lugar para sentar e parei. Antes que tudo tirasse minha cabeça do lugar outra vez, parei. Sentado numa pedra escura, soprei forte, balancei as pernas e fitei o chão por algum tempo, como se realmente estivesse procurando o chão. Mas o que achei foi um resto de fumo dentro de uma caixa de fósforos que me espetava em um dos bolsos. Esfarelei todo ele na palma da mão e com a outra procurei por um pedacinho de papel qualquer perdido nos outros bolsos. Não havia nada. Olhei ao redor, nada. Andei um pouco olhando pelo chão. Nada. Com peito apertado e disposto a voltar à caminhada, vi um milharal recém trabalhado. E num pedaço de palha enrolei meu fumo já um tanto suado mas ainda mais cheiroso. Nas lufadas da fumaça que subia, o ranço ia sendo lavado. As perguntas, agora, eram piadas leves e gentis. Os animais cantavam. Os pássaros carregavam os fantasmas contra o sol que chegava mais uma vez sobre tudo como um grande curioso que não queria perder nada também.

07 agosto, 2008

Eu, minha mãe, Deus e o macaco, sete de agosto de dois mil e oito

Ei mãe,


Feliz aniversário. Ou pelo menos deveria ser. Afinal, a senhora me tem como filho. O Macaco sempre diz que Deus deve rir muito quando está escolhendo quem será família de quem. Acredito que na nossa hora Ele riu muito; ou ainda deve estar rindo. Nós provavelmente somos um espetáculo de vida aos olhos Dele. Antagonistas de um romance longo e cruel que Ele vai escrevendo devagarinho. Eu tento ser natural, te juro, eu só quero me sentir bem no final. Só quero seguir minha vontade e dormir satisfeito toda noite. Não suporto dias inúteis, horas vazias, confrontos medíocres... E parece que agindo assim tenho sido exatamente o oposto de tudo que sonhou para mim, enfim. Ainda estando muito além das margens temidas, te vi dançando ao longe numa dessas minhas noites , e outra vez me lembrei de ouvir o Macaco contando rindo que alguém falou para ele a seguinte frase, ou mais ou menos assim: “estou sempre buscando a elevação espiritual, mas o rock ontem foi do caralho!”. Não sei o que o aconteceu mãe, mas desde muito cedo eu já ria com Deus. Nunca achei que Ele fosse me machucar. Não foi uma nem duas vezes que eu gritei no meio da noite por qualquer coisa que viesse Dele contra mim e nada. A vida continuava na mesma bonança. Como tem sido e sempre será. Mesmo que Deus seja só um conceito. Mesmo que não. Mesmo que Ele nos espreite sempre. Então lá estará Ele rindo e eu e você e o Macaco. E só eu poderia te dizer isso, acredito. No fim, todo esse meu desconforto é carinho. Alguma coisa me diz que estamos sozinhos; estamos sempre trancados em nós mesmos observando o que o nosso corpo sente e sempre querendo que o corpo sinta mais, por isso a senhora dançou. É isso que a vida é. Por isso estou sempre indo. E pensando nisso tudo, te vendo no auge de sua vida, que eu digo que pelo menos deveria ser feliz.