vinteesete

06 janeiro, 2006

Vinte e sete de abril de dois mil e cinco, casa alta

Parece fútil tentar explicar o pavor que tenho de ver o ponteiro passando rápido pelos espaços brancos dos segundos. Como se o nada tivesse sido mapeado para contagem. E a cada cinco centímetros de branco ido, um outro tanto de tempo é tragado pelo passado. Eu tento me rebelar com descanso, finjo férias... mas o ponteiro bate. Faz um clic a cada passo como se ensinasse a contar alto. O eco enche a sala que antes só ventava. Faz sombra, urra. Desconfio de mim. Será que já fiz tudo o que tinha para fazer hoje? Mas parece tão cedo!? Não há nada para escrever?

vinte e nove de dezembro de dois mil e cinco - casa quatro - vitória

Hoje eu encontrei o diabo lendo a bíblia na praça. O dia não tinha sol nem calor, as árvores cheias. Sentei-me ao seu lado e ele ainda continuou lendo por mais uns minutos. Depois olhou para mim com cara de quem não sabe se quer chorar ou rir e disse, isso é lindo. Como bom amigo eu lhe aconselhei, pare de ler isso ou vai ficar louco. Eu já sabia o quanto aqueles textos lhe traziam saudades. Um tipo de saudade que nada mais se pode fazer. Não sei se fiz bem, mas perguntei um pouco mais sobre essa velha dor que tanto lhe confrangia, e ele levantando a cabeça até deitá-la no encosto do banco, foi falando sem nenhum esforço:" há uma mulher – disse com um certo aperto – uma mulher que amei com devoção, que fez dos dias em que estava comigo os únicos completos da minha eterna vida; eu, no auge da confiança de deus, jovem, vivo. Mas a vida, em qualquer tempo ou lugar, é sempre o mesmo improviso. Num dia de passeio e descanso, ela ao meu lado, viu pela primeira vez os olhos de deus. Como eu poderia condená-la por se espantar? Toda a vida corria para os olhos de deus! O que, no fundo, me abalou, foi o gesto doce que ele usou para responde-la. Mas depois tudo ficou claro. Bem, claro não é um bom termo, digamos, elucidado, é. Como eu não poderia saber que o criador de todas as coisas tinha criado a sua principal? Mas ao mesmo tempo só isso explicava o tipo de paixão que ela me inspirava. Só podia ser mesmo a mulher de deus! Foi aí que eu me machuquei. Não aceitava que tudo aquilo fora acontecer logo comigo, seu principal homem. Perguntei por sua compaixão, se ele não era maior que tudo. Ele me abraçava com silêncio e dizia que me amava. Confesso que não pude pensar. Foi quando comecei a odiá-lo. Não porque me fosse menor que antes, era apenas um peso que minha alma rejeitava. Ele ainda quis me dar mais responsabilidade, mas minha humildade tinha se esvaído. Ataquei sim contra deus, quis sim seu reino, não pelo reino, mas por quem nele vivia. deus não teve escolha. Eu sei que ele também sofre. Está escrito aqui."
Fechou a bíblia como se fosse um álbum de família, secou as lágrimas, sorriu para mim e saiu gritando: arrependei-vos, arrependei-vos!