vinteesete

07 dezembro, 2005

trinta de março de dois mil e cinco, vitória, casa alta

Amor? A camisa pesada com cheiro de cigarro no meio-dia infernal, e ela feliz e leve ao lado. Talvez, impossível! Como o prato sujo de domingo pousado ao lado da TV, enquanto ela cantarola uma melodia inaudível qualquer. Na quinta-feira então... O amor se esconderia no porta-retratos mais próximo e ficaria lá, rindo, de shorts e camiseta num quiosque baiano. E ela jogaria o prato pela janela, como fez com o cinzeiro que passou cheio por três dias na mesa da sala. Mas seria um jeito teatral de se mostrar feliz. Porque quando o amor ainda prendia nossas mãos, ela se lamentou de nunca ter sido forte o suficiente para violências. E agora, o amor só aparece pelas manhãs, quando ainda estamos naturalmente bêbados e sem saber exatamente o que pensamos ou fazemos. Ela ri. Conserta a gola da minha camisa. Sai beijando todo mundo pela casa. E sai para se estressar. Ela adora ficar estressada. Nunca economiza dramaticidade ao responder um “como vai” com “muito estressada”. Tão estressada que já nem chama mais o amor para dormir. Só traz as mesmas expressões das máquinas de exercício. Sua. Grita. Estica-se. Contrai-se. Cai cansada, respira forte. Levanta um pouco depois já mole de sono, e volta do banheiro exalando cremes de dormir e “boa noite”. Muito diferente de quando o amor queimava incensos, tragava vinhos, esmagava os lençóis, delirava... Nem com jazz ou com chocolate quente quando chove, ela faz outra vez a cara que fazia quando ganhava uma florzinha quase morrendo que eu arrancava nos canteiros dos contornos: beijava meu rosto, deitava a cabeça no meu peito, arrastava-me pelo braço para o sofá e perguntava o que eu queria assistir enquanto o amor nos colava com suor. Isso até a sala ficar “um inferno”; a casa, “um tédio só”; as ruas, “uma merda”; e o amor, um produto vencido que já estava fedendo na geladeira desde o dia dos namorados.