vinteesete

21 setembro, 2008

e descanse em paz, vinte e um de setembro de dois mil e oito

Quando tudo repousa no macio, a desgraça se alegra. Assim como em qualquer descanso ou cuidado de não se deixar ao sabor dos acontecimentos. Toda calma é um câncer morno. É um lago de sangue doce que draga o sabor da vida e leva o homem ao canto mais bem guardado de seu vazio. Quando a vida fica fácil e se comporta sempre como nos dias mortos de domingo e ri moderadamente ou chora sem tristeza, nada nela há de importar nem agredir, nem nada que valha ser notado ou bem quisto, nada. Uma vida tranquila é uma vida doente, sem saúde, sem força, não vale nada. Uma alma que reza todos os dias pedindo paz é uma alma fraca, medrosa, pequena. No que é que a paz irá ajudar no crescimento de um homem? Que homem é esse que sonha com céus azuis e pombas brancas (estas sim, em guerra certa contra a queda e os ventos fortes) e dias cheios de pessoas se abraçando e rindo e não fazendo nada a favor da força da vida? Que homem é esse que não quer o risco e as tormentas que precedem as conquistas? Que se diz cristão mas nega suas gotas de sangue vivo? Se quer paz, morra! Morra antes que a vida te humilhe a não ouvir tais preces tacanhas, a não poupar o corpo das tantas pancadas, a não permitir que se deite neste campo de batalha que só quer homens fortes e de vontade. Não, o suicídio de um homem fraco não é pecado, é um favor a todos os outros. Deus entenderá e guardará tal alma na lama da paz. A deixará eternamente envolta de todo esse nada que é a paz, a manterá sempre quieta e guardada longe de tudo que quer lutar, enfim, para esta pobre alma não há de ser o inferno.

04 setembro, 2008

pasto, quatro de setembro de dois mil e oito

Fantasmas ruflavam suas sombras ao longo do caminho em que eu andava perdido depois de uma noite gasta. Os galhos tortuosos das árvores desfolhadas camuflavam suas silhuetas com o balanço das ondas do vento. Um bando de animais se agitava com toda aquela presença na boca da manhã. Eu respirava o frio do dia novo que chegava nos primeiros sinais de vermelhidão no longe dos campos. Na minha cabeça uma revoada de alucinações vivas que a noite insistia que eu carregasse me azucrinava como um bando de insetos. E para espantá-los eu compunha respostas absurdas para todas essas questões sem respostas que carrega a gente vida abaixo. Mas as respostas multiplicavam as perguntas e a revoada só crescia ao meu redor e sem pensar outra vez parei. Procurei um lugar para sentar e parei. Antes que tudo tirasse minha cabeça do lugar outra vez, parei. Sentado numa pedra escura, soprei forte, balancei as pernas e fitei o chão por algum tempo, como se realmente estivesse procurando o chão. Mas o que achei foi um resto de fumo dentro de uma caixa de fósforos que me espetava em um dos bolsos. Esfarelei todo ele na palma da mão e com a outra procurei por um pedacinho de papel qualquer perdido nos outros bolsos. Não havia nada. Olhei ao redor, nada. Andei um pouco olhando pelo chão. Nada. Com peito apertado e disposto a voltar à caminhada, vi um milharal recém trabalhado. E num pedaço de palha enrolei meu fumo já um tanto suado mas ainda mais cheiroso. Nas lufadas da fumaça que subia, o ranço ia sendo lavado. As perguntas, agora, eram piadas leves e gentis. Os animais cantavam. Os pássaros carregavam os fantasmas contra o sol que chegava mais uma vez sobre tudo como um grande curioso que não queria perder nada também.