No claro escuro da tarde que precede a noite, quando nem luz nem cor, encostado nos pés de uma árvore, delirando, vi uns porcos aparecendo na paisagem num grupo de cinco. Estavam alegres, não corriam nem estavam cansados, mordiscavam uns aos outros dando pequenos coices quando doía, transparecendo um bando sem líder. Não me viram. Permaneci letárgico como uma borboleta camuflada entre os lagartos. Um dos porcos, num ataque fulminante de correria, atirou-se do penhasco empedernido. Os outros se olharam perplexos. Foram até à beira das pedras, olharam, nada do outro porco. Voltaram para aonde eu estava – ainda sem sequer olharem para mim – sentaram-se uns, um outro deitou mesmo, e ficaram olhando para o céu como se estivessem pensando – parecia –me que eles eram mesmo capazes disso. O que deitou, dormiu rápido. Os outros três, esquecendo o céu e as abstrações, começaram a come-lo com a calma de quem degusta: primeiro a garganta, eles odiavam sua voz, gritando para morrer então... ninguém agüentaria mesmo. Concordei com o gesto, se tem mesmo que comer outro como você, nada melhor que começar pela parte que mais te agride, guardei como lição de vida. Em seguida me deixaram confuso, pois partiram para o sexo do parceiro-refeição. Um dos porcos numa demonstração de satisfação, peidou, e os outros dois não se distraíram um segundo, devoraram o amigo em minutos. No final os três dormiram. Pensei, em meus delírios, que dormir ali com aqueles três porcos, numa noite sem muita luz, não seria uma idéia muito agradável. Mas também voltar para a casa não. Quis pular do penhasco – o outro porco me parecia tão certo do que fazia – e no mais, e se eles me descobrissem ali? Será que também me roeriam? Ou seria um desses casos que o pavor me faria gritar tão alto que os espantaria? Bem... casa não. Penhasco, talvez.
j. gauche