vinteesete

30 março, 2008

trinta de março de dois mil e oito – leblon – rio

Entre o branco e preto do futuro que seria em foto o que sonhava e o colorido e pálido presente, cada palavra anotada no caderno ia, bem devargar, perdendo sua cor. Cada palavra ia se precipitando para o escuro mundo que o tragaria. I feel it closing in , day in , day out. No segundo antes da palavara ser pensada, no ninho mãe da idéia, o escuro mundo do futuro dançava alto. O sol insistindo do lado de fora, fazendo as cores gritarem inutilmente. Os olhos buscando entrar em si mesmos para o fundo. Entre o que agora escapava de seu controle e o que viria, estava o tempo de sempre. O tempo que o prenderia em seu quadro mais firme. E sem que nada viesse de fora, as palavras o engoliam. Dentro delas, cada som se enchia de frio. E antes que a falta de ar o espancasse outra vez e o atirasse contra o chão, ele cuidadosamante se amarrou o mais alto que pôde. O sol continuou arrancando de cada coisa sua cor mais forte. As palavras o engoliam todo sem devolverem nada. E dentro de cada uma delas, ele dançava.


17 março, 2008

dezessete de março de dois mil e oito - tabuazeiro

Depois de viver muito. De olhar todas as coisas no mesmo lugar de uma forma diferente a cada vez. Depois de não mais saber diferir o próprio tempo. E respirar na terra frondosa das estradas pequenas dos lugares longes. A certeza de que nada muda nunca virá como um riso. Você olhará para as próprias mãos e se lembrará que elas sempre chegaram antes, que sempre foram onde quiseram ir antes que sua cabeça pudesse dizer qualquer coisa. E olhando o corte velho e seco no dedo maior, espantar-se-ia com a certeza de que nunca quis um corte e ele então seria você também. E com o fato de que você é o que acontece. Depois de tanto sonhar em vão, você é o que acontece. E acontecerá em você o que acontece em tudo. Os mesmos ciclos, os mesmos ventos, as mesmas calmas... Acontecerá e pronto. Mesmo que chore, mesmo que ria. Então... Depois de cansar de sofrer de tanto querer, nada mais quererá. E leve como folhas sem a árvore, se deixará.

04 março, 2008

quatro de março de dois mil e oito - tabuazeiro

Que rio de vento foi aquele? Na correnteza leve daquela rua cheia de vazios eu me deixei ir tarde afora. Era um dia desses que nada me esperava e eu precisava de tudo. Um desses dias que, quisesse eu ou não, terminaria sem me acrescentar nada. Eu não veria ninguém. Ninguém me esperava. Ilustrando isso tudo, a rua estava completamente sem passantes. As casas todas fechadas. Nenhum carro. Nem mesmo um rato sujo. Sabendo que teria que engolir tudo, melhor, nada desse dia, apenas fui andando. No fim da rua só havia o fim da rua. Eu teria que voltar se quisesse continuar indo. Mas voltar só iria doer mais. Eu fugia do peso que minha cabeça me impunha. Fugia da inércia que me azedava, da letargia seca que me prendia a um ninho fétido e que enchia minha boca de fumo. Fugia como se fugir fosse um esporte que me tiraria de mim. Naquele rio de vento, nos minutos que ele passou, eu me deixei levar. E iria onde ele fosse. Mas ele também não foi a lugar nenhum. Parou do nada. Eu também quis parar. Quis deitar-me naquele fim de vento, naquele fim de rua, naquele fim de tarde. Mas voltei. A rua sem vento era ainda mais fria. Um desespero gigantesco explodiu em mim e eu quis a morte. Não era a primeira vez e por saber que não seria a última eu a quis com mais força ainda. Mas e se a morte fosse só mais um rio de vento que me levaria a outro fim de rua? Engoli seco o desespero, a rua, o dia, eu mesmo e voltei. Sem nenhuma vontade de chegar, voltei.

03 março, 2008

making of do feliz seis - vinte e nove de fevereiro de dois mil e oito

Na sacolinha plástica deixada em cima do sofá, havia um número um muito bem timbrado. Um número um bem preto e bem grande. Minha letra, só de olhar para ela, me faz lembrar as manhãs mortas do tempo de escola. Ainda hoje eu tenho esses quadros na cabeça: a sombra das árvores escurecendo todo o chão, um pouco de sol vazando as árvores, a quadra de jogar bola toda ensolarada lá no fim do pátio dos fundos. Quando olhei para o número um da sacolinha, eu sabia que ali estava outro quadro como o da janela: um número um ensacolado, selando a casa, o tempo da casa, o nosso tempo. Peguei o plástico e brinquei com ele, numerando também o piano, o branco da parede, os móveis velhos. E como quem perde o controle, coloquei a sacolinha na frente do meu olho para ver o número um em tudo. E girando devagar me perguntava: o que é que tinha aqui dentro mesmo?